Depois de meses em silêncio, o que motiva o escriba a preparar um especial de verão?
A “culpa” é essencialmente de Nelson Mandela e Maria Filomena Mónica, cujos livros devorei nas últimas semanas e cujo conteúdo, fora do âmbito empresarial, pode surpreendentemente ser uma mais valia importante na definição da sua estratégia de gestão.
Por coincidências da vida, foi por alturas da celebração dos 100 anos do nascimento Nelson Mandela que conclui a leitura da sua biografia “UM LONGO CAMINHO PARA A LIBERDADE”. O livro esteve durante meses iniciado na mesa de cabeceira, mas foi preciso chegar a minha primeira semana de férias para me dedicar a terminá-lo.
Nelson Mandela é uma personagem com uma aura tão poderosa, que eu tinha a expectativa de uma certa predestinação ou vocação de liderança. Talvez por isso, a minha maior surpresa foi encontrar um homem normal, alguém cujo percurso não foi meteórico ou pejado de façanhas cinematograficamente heroicas. A sua história de vida é o resultado de um conjunto de centenas de pequenas decisões (e naturalmente algumas grandes) que foram moldando o seu carácter e personalidade. Mandela não nasceu um resistente pela liberdade ou o líder generoso que liderou a Africa do Sul. Foram as boas e as más decisões que tomou que o preparam para ser o escolhido para liderar uma nação.
A minha segunda sugestão de leitura vai para “OS RICOS” de Maria Filomena Mónica, uma abordagem sobretudo histórica e sociológica sobre o perfil dos ricos portugueses. Um livro que nos ensina muito sobre Portugal dos últimos 200 anos e nos ajuda a perceber como singrar em terras lusitanas. Abstenho-me de muitas considerações para não estragar a leitura do livro, mas não resisto a eleger a duriense D. Antónia Ferreira, o açoriano José do Canto, os portuenses Belmiro de Azevedo e Américo Amorim como os capítulos que mais me marcaram. A particularidade de todos terem singrado fora da capital não será seguramente coincidência, embora a escolha assente no seu afastamento da política em detrimento de algum “nortismo”.
Igualmente revelador é o facto de nos vários exemplos citados no livro, apenas Américo Amorim e Belmiro de Azevedo construíram fortuna a partir de raízes humildes. Curiosamente, ambos os grupos económicos serão geridos pelas filhas dos empresários a partir de 1 janeiro 2019, o que prefigura uma mudança histórica do tecido empresarial nacional.
De todos os perfis apresentados a minha preferência vai para a Ferreirinha e José do Canto pelo facto de terem sido capazes de multiplicar amplamente a riqueza recebida em contextos muitas vezes adversos. São dois exemplos que recomendo a leitura, com particular atenção para as estratégias adoptadas em períodos de constrangimentos de mercado e necessidade de diversificação de oferta. São exemplos perfeitamente adaptáveis aos dias de hoje.
A minha última sugestão de leitura vai para “EL ARTE DE LA RIVALIDAD” de Sebastian Smee acabadinho de chegar hoje ao escritório. É um livro sobre a amizade, traição e a ruptura entre quatro pares de artistas modernos: Matisse e Picasso, Manet e Degas, Pollock e De Kooning, Freud e Bacon. A ideia subjacente é que a dinâmica entre cada dueto funcionou como um estímulo para liberdade criativa e a procura de uma voz própria.
Para além da minha necessidade de conhecimento pessoal sobre alguns artistas que admiro, paira a minha curiosidade profissional sobre a forma como alguém tão dotado lida com a presença de outrem que se move nos mesmos círculos. Por vezes em partilha, outras vezes em confrontação e quais as escolhas que fizeram para proteger e/ou conquistar o nosso espaço. Este conceito de gestão da concorrência, particularmente na gestão da atenção (e perceção) do público, é algo que me diz muito pois todo o trabalho que fazemos é para espaços finitos (seja o linear disponível ou o universo de compradores)
Embora não tenha sido de todo premeditado, estes 3 livros encaixam uns nos outros: o exemplo da conduta que nos prepara para gerir as oportunidades, o exemplo da gestão na adversidade, o exemplo da gestão da concorrência.
O nosso mundo profissional é maioritariamente pautado por uma forte competitividade, por isso, um dos maiores desafios das empresas é encontrar a forma de manifestar a sua diferença. Isto implica em larga medida ser capaz de pensar o negócio como um todo, saber ler o tabuleiro e decidir quando ser parcimonioso ou célere, quando fazer pontes ou estabelecer rupturas. Seja na gestão das matérias-primas, promoção em ponto de venda, na otimização da produção e da logística.
Outra ideia que fica destas leituras é que não há fórmulas para alcançar o sucesso. É sobretudo uma questão de estar preparado para quando a oportunidade se nos depara, até porque maioritariamente as oportunidades surgem em consequência da soma de dezenas de decisões anteriores. Esta ideia é particularmente evidente no caso de Nelson Mandela, Dª Antónia Ferreira e José do Canto.
Estão aqui três sugestões de livros não empresariais, mas que podem ser muito interessantes para ser compreendidos no seio das organizações.