crocodilo que dorme vira carteira

No início do séc. XX, o Brasil era líder mundial na produção de borracha com uma quota global de 90%. A produção, quase inteiramente centrada na Amazónia, tinha como importante destino a industria automóvel, nomeadamente a produção de pneus. Todavia em 1913, fruto do que é reconhecido como o primeiro acto de biopirataria a nível mundial, os ingleses conseguem após 35 anos de tentativas que as plantações no Sri Lanka e Malásia deem resultados. No espaço de 15 anos, a produção do Brasil vai perdendo relevância atingindo em 1928 uma quota residual de 2,3%.

É neste quadro de mudança que Henry Ford se vê obrigado a agir para proteger os interesses da sua empresa. Na tentativa de fugir à dependência de fornecimento dos ingleses, Ford decide “inventar” uma cidade no meio da selva amazónia para controlar o acesso a borracha diretamente na fonte. É assim que nasce Fordlandia em 1927.

A estratégia definida pelo próprio Henry Ford passava por educar os nativos para obter ganhos de produtividade e eficiência segundo os padrões FORD em Detroit. Para o efeito, Ford optou por replicar uma cidade do midwest americano, desenhou linhas de produção optimizadas de Detroit, cantinas para os funcionários, horários de trabalho das 9h às 17h e procurou replicar o desenho das plantações intensivas criadas pelos ingleses na Asia. O resultado foi um gigantesco desastre.

Ao tentar importar para a floresta tropical Amazónia formulas de sucesso que vigoravam noutras partes do mundo, Ford fê-o ignorando as características do local onde investia. Ignorou o perfil da sociedade brasileira, ignorou o clima tropical que tornava impossível uma jornada de 8 horas seguidas, ignorou as características da fauna e flora que reagiu ao cultivo intensivo com pragas intensivas. Foram 20 anos de tentativas e erros até Ford desistir de Fordlandia, um projecto com perdas de mais de 20 milhões de dólares em 1945. Curiosamente, Henry Ford travou esta “batalha” contra a inevitabilidade sem uma única vez ter visitado a cidade que inventou.

Imagem aérea da cidade no auge do investimento. Para saber mais sobre esta utopia imaginada pelo homem mais rico do mundo na altura pode ouvir o episódio sobre o tema em 99% invisible ou neste artigo de Tom W. Bells. Abaixo, algumas imagens da presente Fordlândia, uma cidade pobre que tenta que a utopia de outrora contribua para sua subsistência fruto de algum turismo.

O estado de negação preconizado por Ford encontra algum paralelismo na relação que a Europa mantém com outros blocos político e económicos. Na ressaca da 2ª grande guerra, a Europa cedeu a liderança da gestão de crises aos EUA. Politicamente, esta secundarização foi bem patente na gestão dos conflitos nos balcãs, nas duas guerras do golfo e mais recentemente na posição na Síria. Economicamente, a Europa como continente (e a UE como bloco económico) abdicou de um abordagem integrada e abrindo espaço para que cada país construísse a sua estratégia de comercio internacional, permitindo não raras vezes que as relações bilaterais prevalecessem sobre os interesses da UE.

Com a eleição de Trump, os EUA privilegiam uma posição própria e não alinhada com os seus parceiros de sempre. Esta nova ordem de prioridades do outro lado do atlântico parece ter criado condições para que um novo alinhamento de forças surja sob a liderança da Rússia e China. Liderados por homens determinados e ambiciosos num contexto de democracia ficcionada, ambos os países ganharam protagonismo com o isolacionismo americano e o imobilismo europeu. Se da Rússia parece vir a afirmação pela confrontação com o reeditar da guerra fria, já da China parecem vir mudanças importantes para as empresas portuguesas

Colagem da artística plástica portuense Helena Rocio Janeiro que inspirou o titulo desta reflexão.

A China tem vindo implementar um conjunto de mudanças que visam transformar o seu tecido empresarial de “fabrica do mundo” para motor de economia mundial. O esforço diplomático e financeiro para que a nova “rota da seda” seja uma realidade e o incentivo à inovação “made in china” tem permitido que marcas como a Huawei e Alibaba tenham hoje uma implementação mundial.

É inegável que o crescimento da economia chinesa nos últimos 20 anos foi feito em grande medida produzindo para terceiros, todavia a China do inicio do seculo não é a China de 2018. Esta China tem um mercado interno forte que evoluirá naturalmente para o mainstream e nichos de mercado, abrindo portas a que empresas portuguesas possam vender os seus produtos e serviços. É uma porta que se abre para investidores chineses, para turistas chineses, para desenhar produtos para nichos de mercado na china. Há obviamente questões importantes como a logística, o custo de aprendizagem das necessidades dos consumidores locais e capacidade de responder em escala, mas a oportunidade está lá.

Não quero com esta reflexão afirmar que o mercado asiático é o único caminho de futuro, mas é uma oportunidade importante que as empresas devem ponderar. O caminho para oriente faz-se com presença e perseverança. As sementes demoram a dar frutos, mas quanto mais tarde semearmos, mais tarde colheremos o fruto.

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