Há muito que me apetecia escrever sobre a evolução da percepção de valor, mas não havia forma de os rascunhos evoluírem para um texto vagamente coerente e interessante. Tinha seguro que o desejava fazer a partir do fenómeno Hamilton, mas foi a falência da Monarch na semana passada que selou o desenho deste texto.
Hamilton é um musical sobre a vida Alexander Hamilton criado por Lin-Manuel Miranda a partir da biografia de 2004 “Alexander Hamilton” do historiador Ron Chernow. O musical estreou em Fevereiro de 2015, estando em exibição na Broadway desde Agosto desse ano com salas permanentemente esgotadas e compra de bilhetes com vários meses de espera. As salas para a digressão de verão e temporada de inverno nos EUA estão esgotadas, e os bilhetes disponíveis para a temporada em londres a iniciar em dezembro voaram em poucos dias.
Este fenómeno seria por si interessante, mas porventura menos singular, não fosse o caso de os bilhetes de plateia serem vendidos a € 1.200 por lugar e espetáculo, superando os valores do anterior “recordista” Livro de Mormon. Podemos interpretar Hamilton como um epifenómeno ou considerar que para além do efeito de arrastamento do sucesso existe um produto diferenciador (o enredo original, a excelência pela inovação musical) que legitima o valor pago pela experiência. A verdade é que é raro encontrar menos que rasgados elogios à peça, tornado o fenómeno ainda mais singular.
Pode o efeito de culto ajudar a sustentar preços elevados?
O lançamento do IPhone X acima de 1.000 euros parece apostar quase tudo nessa ideia. Foi o acontecimento mundial que abalou as redes sociais ao longo dia 12 de Setembro num crescendo de especulação e miríades tecnológicas. Na linha de lançamentos anteriores, prevalece o design e a aposta da harmonização de várias tecnologias (já disponibilizadas por outras marcas) num pacote de utilização mais intuitivo e coerente. Uma formula pela 1ª vez tentada com absoluto sucesso com o ipod.
O valor da experiência
No meio da excitação sobre quanto está o consumidor disponível a pagar por bens e serviços surge a noticia do encerramento da companhia aérea low-cost Monarch e do cancelamento de centenas de voos pela Ryanair. Se a estas noticias juntarmos o pedido de insolvência da Air Berlin ficamos com a certeza que há um sério problema de sustentabilidade neste modelo de negócio.
Interpreto a coexistência destas realidades como um progressivo extremar da percepção de valor pelos consumidores. Atribuir a um cada vez maior numero de produtos e serviços a noção de commodities é definir um ponto de partido elevado e traduz a disponibilidade para pagar o mínimo estritamente necessário para satisfazer necessidades. Por outro lado, um numero crescente de consumidores parece disponível para pagar valores antes impensáveis por produtos ou serviços que lhe proporcionem uma experiência de consumo diferenciadora.
Este cenário tem uma consequência importante para a forma como as empresas serão obrigadas a posicionar-se para comunicar e promover os seus produtos e serviços junto de prescritores e decisores de compra. Acentuar-se-á porventura a necessidade de focar o “sales pitch das commodities” nos ganhos de eficiência global da operação (volumes, margens, eficiência logística) com um produto desenhado para satisfazer estritamente a necessidade percebida.
No extremo oposto estará a capacidade de proporcionar uma experiência de consumo importante, isto é, garantir que o produto e serviço chegam ao consumidor de forma a que este usufrua em pleno do mesmo. Isto implica em larga medida pensar o produto para além do consumo per se, desenhando-o para que cumpra o propósito de cada indivíduo, seja pelo cumprimento do sentido de missão (comum nas opções de sustentabilidade) ou na afirmação social (comum pela partilha nas redes sociais).
Este extremar das perceções de valor pelos consumidores (e por inerência pelos prescritores e decisores de compra) potencia o desaparecimento da chamada gama média resumindo a “coisa” a um entusiasma ou cumpre. Este esvaziamento do meio está a deixar muitas empresas equidistantemente longe de ambos posicionamentos. Por um lado, o imperativo da escala para obter uma maior eficiência global da operação, por outro a implementação de rotinas de desenvolvimento de produto (e consumo) que potenciem o sentimento de pertença à comunidade (seja esta uma marca, tendência ou circunstância de saúde).