A Dieta de … Paula Cosme Pinto

A convidada e os seus objectos 
Ser feminista não é virtude nem defeito. É uma consequência natural de quem luta pela igualdade de género.

Muitos dos textos da entrevistada transportam-me para essa dimensão. Uma leitura muitas vezes diferente daquela que eu como homem experiencio e que me recorda que o mundo não existe somente como eu o penso. À semelhança de outros convidados, a Paula também cresceu profissionalmente saindo da sua zona de conforto, assumindo rupturas e desafios difíceis. Esta é a sua dieta e os seus objectos.

 

O que os portugueses têm de melhor
O jogo de cintura e a capacidade de improviso. Somos mais capazes do que achamos e esta aptidão para ‘desenrascar’ qualquer situação, sem onde for, é prova disso. A nossa postura flexível, multifacetada e polivalente é uma enorme mais-valia, mas, em contraponto, continuamos a ter alguma dificuldade em concebermos isso como uma qualidade. Aliás, se por um lado a modéstia dos portugueses consegue ser muito bonita, por outro também tem esta lado bastante castrador.

 

Povo que mais a surpreendeu
Os balineses. A forma como levam a vida, tendo sempre por base a ideia do karma e de que “recebemos aquilo que damos”, consegue ser uma verdadeira lição de humanidade: desde a forma incrível como respeitam a natureza às prioridades bem definidas nas suas vidas, com as relações humanas e a espiritualidade antes de tudo o resto, passando também pelo desapego dos bens materiais e o desinteresse pelas aparências exteriores. Bali é um sítio onde tenho sempre vontade de voltar, acima de tudo pelas suas gentes que são uma inspiração. Têm o condão de me fazer travar a fundo e questionar a forma como levo a minha vida.

 

Maior aprendizagem profissional
Mudar de carreira. Deixar o jornalismo ao fim de dez anos foi uma decisão ponderada, mas muito difícil. Hoje, com competências recicladas e novos desafios conquistados, tenho perfeita noção de que fazê-lo foi essencial para poder olhar para o meu futuro profissional sem espartilhos. Sair da zona de conforto e testar os meus próprios limites, tanto nas capacidades profissionais como nas humanas, foi uma experiência, acima de tudo, de enorme aprendizagem e que me permitiu voar mais alto, em diferentes direções ao mesmo tempo. Vivemos numa era em que tudo muda a um velocidade estonteante, é importante não ficarmos estanques. E mudar abre-nos os olhos para todo um mundo de possibilidades que antes, muitas vezes, não conseguíamos ver. O corrupio forçado, sem tempo para reflexão pessoal, tolda-nos a visão.

 

Maior desafio profissional 
Enquanto jornalista foi-me dada a oportunidade de acompanhar durante sete meses o processo de reintegração de pessoas sem-abrigo através do modelo housing first, implementado pela associação Crescer. Eram pessoas que viviam há mais de dez anos na rua, em situação de exclusão total, desacreditadas da rede social existente e, em muitos casos, em total estado de degradação física e mental. Como ponto de partida, a todas foi dada uma casa em vez das habituais soluções de camas em abrigos coletivos. E o impacto imediato que uma simples chave de casa – algo que muitos de nós temos como garantido – consegue ter em pessoas em situação de exclusão extrema é algo de extraordinário. Ao longo daqueles meses, os processos de mudança na vida a que assisti foram inacreditáveis.

Ouvir as suas histórias e perceber quão fácil pode ser chegar à situação de sem-abrigo foi uma lição que nunca esquecerei. Tal como foi uma lição perceber como consegue ainda ser tão incoerente e ineficaz uma boa parte da rede de apoio existente. Fazer esta reportagem foi um enorme privilégio, até porque eu ainda acredito no dever social do jornalismo. Mas confesso que conseguir escrever, em poucas páginas, as histórias de sobrevivência de todas aquelas pessoas foi um desafio que me tirou o sono.

 

Pessoas que a inspiram
Inspiram-me pessoas que olham para além do seu umbigo, que têm a capacidade de ver o mundo como um todo. Sei que escrevo diariamente sob a bandeira feminista, mas se tiver de apontar uma ideologia que me descreva é certamente o humanismo. Admiro pessoas que pensam no bem comum, que vencem a inércia mental e que refletem sobre os desafios do mundo, tanto aquele que nos rodeia diretamente, como aquele onde nunca estivemos, nunca vimos, mas que faz parte deste grande bolo onde estamos todos misturados.

 

Se pudesse fazer uma pausa de um ano, o que gostava de aprender
Gostava de me dedicar às matérias holísticas, pelas quais nutro bastante curiosidade.

 

Coisas pelas quais se perde
Viagens. Venho de uma família de músicos e cresci a ver o meu pai a ir pelo mundo fora de guitarra às costas. Quando era miúda, um dos meus brinquedos preferidos eram as Matrioskas que ele me trouxe da Rússia e o meu desejo de infância sempre foi o mesmo: ‘quando for grande também vou de avião para todos esses sítios’. Cresci, e a verdade é que o meu grande investimento pessoal tem passado por ir ver o mundo, conhecer outras culturas e descobrir pessoas, que as há incríveis em todo o lado.

Depois tenho também uma perdição total por livros, da qual me arrependo cada vez que preciso de mudar de casa. É incrível o poder de evasão que uma boa leitura nos consegue proporcionar. Tal como o condão de nos pôr a refletir. O livro que escolhi para esta foto é um bom exemplo disso.

 

Objeto com estória
Esta máquina de escrever pertencia ao meu bisavô, que não só foi um verdadeiro génio da música, como era um homem com uma sede de conhecimento contagiante. Uma boa parte da minha vontade de escrever nasceu de o ver a escrever nesta máquina, onde anotava as suas memórias pessoais. Quando ele morreu, esta foi a peça que escolhi como recordação.

 

Presença da Rede
Pode acompanhar a Paula no blog A Vida de Saltos Altos e nas redes sociais Facebook e Instagram.

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